sábado, 20 de outubro de 2012

RIR É O MELHOR REMÉDIO. OU NÃO. de Regina Célia Vieira



Tema: Rir.
Personagens:
Fernando e Jack

Fernando- (Entra em casa agitado jogando a pasta no sofá.) - Hoje eu quero ver uma comédia! E tem que ser uma comédia rasgada. Daquelas que a gente fica com dor nas costas de tanto rir.  (Abrindo a geladeira e pegando uma água.)- Tem alguma comédia passando no cinema? Preciso rir! Minha vida tá uma merda! Preciso me distrair. E tem que ser hoje! Quero rir de gargalhar!
Jack- (Assistindo televisão sem olhar para Fernando.)- Que humor, hein! Pelo amor de Deus! Sua vida tá a mesma coisa de sempre. Para com isso.  (Olha pra ele.)- E isso são horas? (Volta a olhar pra tv)-  Eu acho que não tem nenhuma comédia em cartaz, não! Tá muito sem graça o cinema ultimamente. Só tem porcaria.
Fernando- Não é possível que não tenha uma comédia sequer. Não tem um Bruno Mazzeo? Um Jim Carrey? Não pode ser.
Jack- Não tem. Tenho certeza. Aonde é que você estava até agora, hein? (Lembrando)- Ei! Você não gosta do Bruno Mazzeo e nem do Jim Carrey. Fala que os dois são canastrões, sem graça. Aliás, o que tem graça pra você? Não é, Fernando?
Fernando- Muita coisa. Muita coisa.
Jack- O que, por exemplo?
Fernando- (Pensando.) Não lembro agora. Mas muita coisa me deixa feliz. E hoje eu quero rir.
Jack- A gente pode ir ao circo. Estreou um aqui perto.
Fernando- Detesto circo.
Jack- Teatro. No teatro tem muita comédia. Deixa eu ver aqui no jornal.
Fernando- Não gosto de teatro. Quero ir ao cinema.
Jack- Mas não tá passando comédia nenhuma no cinema. Já disse.
Fernando- Vou alugar um filme, então, Vamos á locadora.
Jack- A locadora já fechou. São mais de oito horas. Quem mandou chegar tão tarde? Aliás, aonde você foi?
Fernando- Mas não é possível. Eu quero rir e você só fica me deixando mais irritado.
Jack- Ué!? E que culpa, tenho eu, se você vive de mau humor? Eu estou sempre muito bem humorada e de bem com a vida. Meu dia foi ótimo, como sempre. Me diverti á beça no trabalho. Ri muito. O pessoal adora contar piada na hora do almoço. Principalmente quando o foco é o chefe. É uma farra. Você quer ouvir a piada que o Gerson da contabilidade contou pra gente, hoje? É assim, ó...O médico disse pro paciente: - Sinto muito, mas o senhor foi envenenado.- Aí, o paciente...-  Mas doutor, que veneno foi esse? (Jack, já rindo.)- HAHAHAHAHAHA... Saberemos após a autópsia. HaHaHaHAHAHAH...
(Fernando não acha graça.)
 Jack- (Não se aguentando de rir)- HAHaHaHa... Depois da autópsia, hahahahahahahahha... Entendeu? O cara vai morrer, HEHEHEHE... O paciente, Fernando... O paci.... Ah! Deixa pra lá.
Fernando- E onde o chefe entra nisso?
Jack- (Sem paciência.) Chefe? Que chefe, Fernando?
Fernando- Você não disse que o foco é o chefe?
Jack- Que chefe?
Fernando- O seu. Você foi bem clara. Nas piadas o foco é o chefe.
Jack- Nessa piada, exclusivamente, o foco não foi o chefe. É uma piada pronta. Já existe faz tempo. É velha.
Fernando- E que graça tem em contar piada velha?
Jack- A piada é velha. Mas ninguém no escritório conhecia. Só o Gerson conhecia. Ele disse que a piada é velha. Como se por acaso você conhecesse, né!
Fernando- E Nem queria conhecer.
Jack- A piada é boa.
Fernando- Pode ser, mas você como piadista é uma ótima analista de sistemas.
Jack- Ah! Você é que não tem um pingo de humor. Lembra quando fomos assistir ao Top Secret?
Fernando- Faz tempo, hein!
Jack- Pois é! Eu quase me mijando de rir e você com a maior tromba querendo ir embora.
Fernando- Não achava a menor graça naquele Val Kilmer.
Jack- E a Vida de Brian do Monty Python? Você não esboçou um sorriso sequer. Pelo amor de Deus! Quem não ri com Monty Python devia pedir pra morrer!
Fernando- Eu não sei como alguém pode rir com aquilo?
Jack- Nem com o Tv Pirata você ria!
Fernando- Ainda bem que acabou.
Jack- Você tem problema. Deve ser doença. Procura um psicólogo, ou melhor, um psiquiatra. Esse seu mau humor já se tornou crônico.
Fernando- Engraçadinha! Eu já dei muita risada na minha vida, tá! Esse trabalho é que me aborrece.
Jack- Procura outra coisa pra fazer, ora! Algo que você goste.
Fernando- Eu não quero pensar nisso agora, não nesse momento. Queria só me divertir um pouco. Dar gargalhada. Mas não consigo rir de verdade. Dói o maxilar só de pensar em rir um pouco mais forte.
Jack- Ai, Fernando! Você é engraçado! Sem querer, mas é. Sabe! A última vez que te vi dando uma gargalhada com gosto, foi quando meu pai deixou aquela herança pra nós. Você até pulou de alegria. Uma falta de respeito, já que ainda estávamos acabados pela morte de papai. Minha mãe, até hoje, sempre que pode, passa esse fato na sua cara. E olha que ela te adora, hein!
Fernando- Isso faz tanto tempo. Velha rancorosa.
Jack- Você gosta mesmo é de dinheiro. Não é, Fernando? Agora que a gente não tem tanto assim, vive desse jeito, carrancudo, ranzinza... A vida não é só dinheiro, não, Fernando. A vida é muito mais.
Fernando- O que? Por exemplo?
Jack- É a família, os filhos que não tivemos, a natureza, as flores, os animais...
Fernando- Já entendi. A natureza... hã!
Jack- Bruno Mazzeo, Jim Carrey, Monty Python. Isso tudo deixa a gente feliz. Mas eu estou sentindo que você está um pouco mais triste que de costume. O que aconteceu? Por que demorou a chegar em casa?
Fernando- Você quer mesmo saber o porquê de eu ter chegado tão tarde em casa?
Jack- Quero! Quero saber, sim. Tenho o direito de saber. Afinal, somos casados.
Fernando- Então você insiste em saber?
Jack- Fala de uma vez! Que coisa!
Fernando- É que...
Jack- (Sem paciência.) Ai, meu Deus!
Fernando- (Fala rápido.) Perdi o emprego.
Jack- O que?
Fernando- Isso que você ouviu. Perdi o emprego. Fui dar uma volta depois do serviço pra espairecer. Por isso demorei.
Jack- Ah! HAHAHAHAHA! Você é mesmo muito engraçado. HAHAHAHA...
Fernando- É verdade! Eu estou desempregado.
Jack- (Para de rir.)- Você o que, Fernando? Você perdeu o emprego?
Fernando- Mas você não deve se preocupar. Falou que tenho que procurar algo que eu goste. É o que vou fazer.
Jack- (Começa a rir de nervoso)- HAHAHAHAHAHAHAHA... Estamos perdidos! HAHAHAHAHA... Como vamos fazer pra pagar as prestações da casa? HAHAHAHAHAHA... (Gargalhando sem parar.)
Fernando- Calma! Jack! Respira. Para de rir um pouco.
Jack- HAHAHAHAHAHAHA... Não poderemos ir mais ao cinema,  HAHAHAHAHA... nem ao teatro, HAHAHAHAHAHAHA... nem ao circo. HAHAHAHAHA... Vamos ter que comer menos... HAHAHAHAHAHAHA... pra pagar... HAHAHAHAHAHAHA... a prestação da casa. HAHAHAHAHAHA... Se perdermos a casa... HAHAHAHAHA... vamos ter que morar... HAHAHAHAHA... com a minha mãe... HEHEHEHE... e isso vai ser... HEHEHEHEHE... um inferno...HAHAHAHAHAHA... um... HAHAHAHAHA... infer...HEHEHEHE...no...HOHOHOHOHOHO... um inferno...HAHAHAHAHAHA...
Fernando- Para, Jack! Para com essa loucura.
Jack- (Ri sem parar)- HAHAHAHAHAHAHAHAHA...
Fernando- Sinto muito Jack!- (Dá um tapa na cara da mulher.)
Jack- (Para de rir. Olha fixamente para Fernando e retribui o tapa.)- Nunca mais faça isso na sua vida.
Fernando- Desculpa querida! Eu tinha que fazer você parar. Só repeti o que sua mãe fez no velório do seu pai. 
Jack- Minha mãe é minha mãe. Você é só meu marido.
Fernando- Desculpa, bem! Já pedi desculpas. Esse seu desequilíbrio devia ser tratado. Você é que precisa de um psiquiatra.
Jack- Não muda de assunto, não. O que você fez pra isso acontecer? O que você aprontou para ser demitido, Fernando? Fala, homem!
Fernando- Calma! E eu lá sou homem de aprontar. Pelo amor de Deus! Eu dei a minha vida por aquela firma. Pra quê? Pra eles me dispensarem pra colocar um tal de Dalto, sobrinho do dono, que estudou em Harvard, no meu lugar? Ainda tive que ensinar o serviço todo pra ele durante um mês. Ninguém me falou nada. Me demitiram hoje e disseram que eu nem precisaria cumprir aviso. Ainda bem! Eu já estava bem desconfiado. Ainda perguntei pro chefe, há alguns dias atrás, se eles estavam pensando em me mandar embora. Mas ele disse que não, que o Dalto ia se juntar a mim na equipe, já que a empresa está cada vez crescendo mais. Safados! Ingratos! Tomara que ele seja bem incompetente. Grande coisa estudar em Harvard! Grande porcaria!
Jack- É grande porcaria, sim senhor! Não é qualquer um que se forma em Harvard, imbecil!
Fernando- Agora eu sou imbecil? Falou! Bem humorada e de bem com a vida! Ao invés de me dar força, fica aí acabando comigo ainda mais. Muito obrigado!
Jack- Desculpa! Desculpa! Mas como vamos fazer agora? Na sua idade é bem mais difícil arrumar emprego. Eu, com o salário que ganho, não consigo pagar todas as contas. Não dá!
Fernando- Calma! Ainda tem a indenização, seguro desemprego. Vamos ter fé!
Jack- Faltam só dois anos pra acabar de pagar a casa. Agora que a gente conseguiu reconstruir nossa vida, depois que o restaurante que compramos com a herança de papai faliu... Ah, não! Eu não vou começar do zero de novo.
Fernando- Deixa de ser louca, Jack! Depois eu é que sou pra baixo! Que pensamento é esse, mulher? Eu vou arrumar outro emprego. Tenho bastante experiência. Calma! Até posso abrir um novo negócio com a indenização. Quem sabe... um barzinho, uma lanchonetezinha... Coisa pequena, pra começar.
Jack- Você nem ouse fazer uma bobagem dessas. Pra quê? Pra falir de novo? Já tá mais que provado que você não tem o menor talento pra ser empresário. Você é um ótimo administrador de empresas. Dos outros. Não, não, não, não, não! Vamos economizar esse dinheiro. E antes que ele acabe você vai ter que ter arrumado outro emprego. Amanhã mesmo, você já sai distribuindo curriculum.
Fernando- Mas agora vai dar certo, Jack. Já quebrei a cara uma vez. Não vou cometer os mesmos erros de novo. Vou receber uma bela grana. Afinal, meu salário era razoável e tenho muitos anos de firma. Só com o fundo de garantia já dá pra abrir um pequeno negócio.
Jack- Com o dinheiro do fundo de garantia a gente vai é quitar a casa. Isto, sim, é um bom negócio.
Fernando- Mas eu quero ser comerciante.
Jack- Aqui não tem essa história de eu, Fernando. Aqui somos nós. Nós. Entendeu? Não é só o seu futuro que está em jogo, não. Temos que garantir o nosso teto. Teto, que já perdemos, para quitar as dívidas do seu tão sonhado restaurante. Poe uma coisa na tua cabeça, Fernando. Pra ser comerciante tem que ter muito dinheiro em caixa. Só com o que você vai receber não dá pra sustentar um comercio, não dá. Se antes, quando tínhamos uma vida melhor, não deu. Imagine agora. Não, não podemos arriscar. (Debochando.)- A não ser que você invista num carrinho de pipoca ou de milho. HAHAHAHAHAHAHAHAHA...
Fernando- Boa ideia!
Jack- O que?
Fernando- Por que não? A gente faz o que você falou. Pega a grana do fundo de garantia, quita a casa, e com o que sobrar da rescisão eu compro um carrinho de pipoca ou de milho. Conseguir a licença que é mais complicado. Mas não deve ser tão difícil assim.
Jack- Por favor, Fernando! Não viaja! De administrador de empresas pra pipoqueiro. Era só o que me faltava. Não me faça rir.
Fernando- Para de ser preconceituosa. Pipoqueiro é uma profissão digna. Pelo menos eu não teria que aguentar patrão.
Jack- Desisto. Você que faça as suas loucuras. Quitando a casa é o que me interessa.
Fernando- Você nunca acredita em mim. Não é, Jack? Nunca acredita nos meus sonhos. Custa torcer um pouquinho por mim? Custa?
Jack- Não se faz de vitima, não, Fernando. Eu sou prática. Temos que acabar de pagar uma casa que depois de muito tempo conseguimos comprar. E não é só isso. Temos muitas contas. Carrinho de pipoca não vai ajudar a pagar todas as nossas contas.
Fernando- Muita gente que começou com um negócio pequeno assim, se tornou dono de lojas.
Jack- Quantos? Você pode me dizer?
(Fernando não responde.)
Jack- A vida é muito dura pra maioria, são poucos os que chegam longe, meu caro.
Fernando- E eu não posso ser um desses poucos? Você fala que eu não rio. Que vivo de mau humor. Mas como eu posso ser feliz com uma mulher que não acredita em mim. Que não me dá força pra realizar os meus sonhos.
Jack- Ah! Agora eu sou a culpada pelo seu mau humor! Eu já acreditei no seu sonho uma vez e olha no que deu! Eu acredito nos meus sonhos. E realizo todos. E os meus sonhos são muito básicos. Como uma casa, por exemplo, um lar. E disso, eu não abro mão.
Fernando- (Determinado.) Eu vou compra o carrinho de pipoca!
Jack- (Sem paciência nenhuma)- Aiiiiiiiiiii! Compra, Fernando! Compra o que você quiser. Mas o dinheiro da quitação da casa eu quero aqui, na minha mão. Entendeu?
Fernando- (Ignorando-a) Quem sabe dá pra comprar dois!
Jack- Fernando você me ouviu, Fernando?
Fernando- Um carrinho de pipoca e outro de milho.
Jack- Fernando!
Fernando- Contrato um rapaz pra trabalhar pra mim. Eu fico com o de pipoca e ele como de milho.
Jack- Você tá delirando.
Fernando- Ou vice versa.
Jack- Desisto. Vou subir. Daqui a pouco vai dar A Grande Família. Não tava a fim de rir? (Sobe pro quarto.)
Fernando-(Falando sozinho.) A Grande Família perdeu a graça faz tempo! (Fernando coloca a mão no peito e geme.)- Ai! Que dor! Aiiiiiiiiiiiii! Jack! Acuda!, Jack! Socorro!
 Jack- (Descendo as escadas correndo.)- O que foi, Fernando? Tá se sentindo mal?
Fernando- Acho que estou tendo um infarto.
Jack- Tem certeza que não são gases?
Fernando- AAAAAAAAAiiiiiiiiiiiiiii!!!!!!
Jack- Ai, meu Deus! Fica calmo, meu amor! Tô ligando pra ambulância! Por favor! Meu marido tá tendo um infarto.
(Já no hospital.)
Fernando- (Acordando.) Jack! O que aconteceu? Só lembro de ter sentido uma forte dor no peito.
Jack- Calma! Querido! Foi só um susto. Mas agora tá tudo bem. A ambulância chegou a tempo. Você vai ficar bem. Me perdoa se eu te aborreci com essa história do emprego. Não vou mais reclamar do seu carrinho de pipoca. Dou a maior força. Tá bom? Não queria te aborrecer.
Fernando- A culpa não foi sua, Jack. E você tá certa. A gente tem que acabar de pagar a casa mesmo. Com o que sobrar eu compro o carrinho. Eu só não entendo porque eu tive esse infarto. Sempre fui estressado. Será que é por isso?
Jack- Saberemos após a autópsia.
Fernando- O que?
Jack- A piada do Gerson! Saberemos após a autópsia.
Fernando-Ah! É ! HA...HA..HAHAHAHAHAHAHAHAHAHA...
Jack- HAHAHAHAHAHAHAHAHAHA! HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA...
Fernando-HAHAHAHAHAHAHAHAHAHA...(Se acabando de rir.) HAHAHAHAHAHAHAHAHA... Ai que dor nas costas...HAHAHAHAHAHAHAHA... HAHAHAHAHAHAHAHA... Ai que dor... HAHAHAHAHAHA...
Jack- HAHAHAHAHAHAHAHAHAHA...
Fernando- HaHAHAHAHA... Ai que dor!
Jack- HAHAHAHAHAHAHAHA... Ai, Ai... HAHAHAHAHA...
Fernando- Ai! Tá doendo mesmo! AAAAAAAAiiiiiiiiiiiiiiiiiii!
Jack- O que foi? (Corre pra porta.)- Doutor! Doutor!
Médico- (Entrando com a enfermeira.) Para trás, senhora. (Socorre Fernando que desmaia.)
Jack- Ai, meu Deus! Ajuda, meu Deus, por favor!
Médico- (Tenta ressuscitar Fernando, sem êxito.)- Sinto muito! Tudo idicava que ele estava fora de perigo. Sinto muito, mesmo!
Jack- (Fica como se estivesse em estado de choque por um instante. De repente começa a rir.)- HAHAHAHAHA... Fernando! Não! Fernando! NÃÃÃÃÃÃÃÃÃO! HAHAHAHAHAHA! (Cai sobre o corpo do marido enquanto gargalha e chora ao mesmo tempo, sob os olhares compassivos do médico e da enfermeira.)

                                 Fim

terça-feira, 4 de setembro de 2012

POR AMOR E POR DINHEIRO de Regina Célia Vieira


Tema: Prostituição.

Personagens:
Ednardo e Soraya

Num flat.

(Ednardo entra mudo.)

Soraya- E então?

(Ednardo entrega um envelope a Soraya.)

Soraya- (Abre o envelope. Lê. Comemorando.)-  Eu sabia que você iria conseguir ! Não te falei?

Ednardo- A que custo!

Soraya- (Ignorando-o)- Todas as vias assinadas. Muito bem! Agora sim, podemos tirar o pé da lama.

Ednardo- Ou enfiar mais.

Soraya- (Sem dar ouvidos.) Amanhã, logo cedo, vou  ao banco ver como estão as contas. Dentro de pouco tempo vamos recuperar todos os nossos bens. Podemos fazer aquela viagem pra França. Hein? Que maravilha, hein? Hein? E com este contrato milionário, a gente tá é bem demais! Vê? Eu te disse que te daria uma vida de rei novamente.

Ednardo- Graças a mim você conseguiu esse contrato. Graças a mim!

Soraya- E eu tô negando isso? Você fez a sua a parte! Eu faço a minha. Você seduz e eu sustento a gente com a minha inteligência e astúcia. Quem administra os negocios sou eu. Quem trabalha, sou eu.

Ednardo- Eu tive que transar com aquela mulher. Você não podia ter me obrigado a isso.

Soraya- Eu não te obriguei a nada. Você foi, porque quis. Porque não queria morar em um kitnet ou debaixo da ponte. Foi por isso que você foi pra cama com ela, meu querido! Eu não te obriguei a nada. Ela gostou de você. Deixou bem claro que só fecharia o negócio se você saisse com ela. Eu te propus este sacrificio, você aceitou, todo ofendido, mas aceitou. Te obriguei? Não.  Eu não te obriguei. Você foi, porque não é burro. Pelo menos burro, você não é. Que bom!

Ednardo- Você não sente ciumes? Nem um pouquinho?

Soraya- Se fosse em outros tempos, sim. Mas hoje em dia, penso mais em mim. Pra que é que eu vou sentir ciumes de uma pessoa que nunca teve nenhum afeto por mim? Que se casou comigo por interesse? Não, meu bem! Não sinto ciúmes de você. Não mais.

Ednardo- E porque ainda está comigo? Porque não me manda embora?

Soraya- Porque você é um gato. Eu gosto de te exibir por aí. É por isso.

Ednardo- Quer dizer que eu não passo de um troiféu pra você? Como pode me humilhar desse jeito? Como pode?

Soraya- Ah! Ednardo! Não vem com drama, não! Você nunca gostou de mim. Casou com o meu dinheiro e eu sempre soube. Não pense você, que me enganou ou que me engana. Sei que não me suporta. Que me acha uma velha caída. Mas saiba, que se você se aproveitou de mim, gastando minha grana como bem queria. Eu também me aproveitei muito bem de você, bonitão!

Ednardo- Eu só fui pra cama com aquela mulher, por você, só por você, porque estava falida e precisava desse contrato pra se reerguer. Era sua última chance. Eu te ajudei por amor.

Soraya- HA! HA! HA! HA! HA! Essa é boa! Faça-me rir! Você fez, por você! Só por você! Não seja sínico!

Ednardo- Foi por você! Por sua causa. E agora estou me sentindo péssimo!

Soraya- Você fez o que está acostumado a fazer. Foi pra cama com uma mulher por dinheiro. Há dez anos você faz a mesma coisa. E daí?

Ednardo- Eu não sou um prostituto.

Soraya- É sim, meu bem! É sim! Alguém que se casa, só por dinheiro, é o que? Prostituto. Vendido.  Mas tudo bem! Não se sinta só! Nós dois ganhamos muito com isso. E vamos continuar ganhando. Eu gosto da sua companhia. Ainda gosto. Agora que vamos voltar as vacas gordas, posso te sustentar como sempre fiz. Você fica feliz, eu fico feliz. Enquanto você é jovem, posso te exibir para as minhas amigas falsas e estamos outra vez na crista da onda.  A cinquentona com o, agora, trintão, de volta as altas rodas. Vamos comemorar os seus trinta anos no Copacabana Palace. O que me diz?

Ednardo- Você não acredita que eu te amo, né?

Soraya- (Cai na gargalhada.) Você iria ganhar a vida como comediante se não fosse eu, né, bem?

Ednardo- No começo foi por interesse, sim, confesso. Mas com o passar dos anos, eu fui gostando de você de verdade. Do seu jeito destemido, da sua personalidade marcante, da sua alegria... Já fiz tanto por você, também, Soraya. Sempre estive do seu lado nos momento mais difíceis. Como agora. Te ajudei sempre com as suas depressões. Aguentei as suas bebedeiras, seus escandalos. Dediquei dez anos da minha vida a você. Acredita em mim, por favor!

Soraya- (Não querendo levar a conversa adiante.) Eu quero é jantar fora pra comemorar este feito. Quero comer no melhor restaurante o melhor prato que tiver. Se arruma. Quero festejar!
 
Ednardo- Você não me ouve, Soraya? Você não quer me ouvir. E eu não vou a lugar algum.

Soraya- Ah! Vai sim! Eu é que não vou aparecer sozinha nos lugares. Era só o que faltava. Além de pobre, vão pensar que fiquei sem marido, também. Nada disso. Quero que me vejam gastando e com o meu belo marido do lado. Vou torrar o cartão de crédito que sobrou. Vamos gastar por conta. E você! Faça o seu papel de esposo feliz, bonitinho. Não seja rebelde. Você nunca foi de me contrariar. Vai começar agora?

Ednardo- Eu estou cansado!

Soraya- (Procurando roupa pra sair.) Tá cansado? Eu também, de ficar em casa.

Ednardo- Estou cansado do seu deboche, da sua falta de respeito comigo. Eu faço de tudo pra você notar que eu quero ficar com você pra sempre e você não acredita. Se fosse só por dinheiro, eu já teria me mandado há muito tempo. Você já tá dura há mais de dois anos. Mas eu continuo contigo. Eu te amo Soraya! Quantas vezes tenho que te dizer isto? Por  que não acredita em mim?

Soraya- Você ficou comigo, porque não tinha opção, porque não tem mais ninguém neste mundo além de mim. Antes mal acompanhado do que só. Não é, baby?

Ednardo- Eu podia dar outro golpe numa ricaça qualquer. Não podia?

Soraya- Ih! Essas ricaças que você está falando, são como eu. Gostam de garotos de vinte anos, trinta já tá velho pra elas.

Ednardo- E por que você não foi atrás de outro de vinte? Por que ainda está comigo?

Soraya- Porque eu não  tenho dinheiro pra comprar mais nenhum garotão de vinte. E porque já me acostumei com você, me acomodei, é isso. E chega de papo. Vamos jantar que estou com fome.

Ednardo- Por que não acredita que eu te amo?

Soraya- (Irritada.) Para com isso! Chega desse romantismo barato. Não me interessa mais o que você sente por mim.  Eu não sinto mais nada por você. No máximo, quero a sua amizade. E o seu corpo, é claro.

Ednardo- Não vou deixar que fale mais assim comigo.

Soraya- Ah! Tá! E vai fazer o que,meu filho?

Ednardo- (Tira uma arma da cintura.)

Soraya- (Grita assustada.) O que é isso Ednardo? Tá maluco guarda esta arma, pelo amor de Deus?

Ednardo- (Com a arma apontada pra baixo.) Você nunca me ouviu. Dediquei minha vida a você. E você nunca deu valor. Perdi minha juventude ao seu lado. E você me desprezando, sempre. Me usando como um mero pedaço de carne. Por que nunca reconheceu o meu valor, Soraya? Por que?

Soraya- Você tem valor. Eu te dou valor. Eu gosto de você, Ednardo. Larga essa arma,meu filho...

Ednardo- Você é que só pensa em dinheiro! Só pensa em gastar, em torrar a grana. É por isso que faliu. E se voltar a ter dinheiro, vai falir de novo. Porque só pensa nas aparencias,  só quer se mostrar. Quer sempre parecer que esta por cima. Estou cheio. (Pegando o contrato em cima da mesa.) Este contrato é tudo que você tem. É isto que tem importância pra você. Eu não significo nada.

Soraya- Não é verdade. Você é tudo o que eu tenho nesta vida. Eu preciso de você. Deixa de bobagem. Deixa essa arma de lado e vamos nos divertir. Por favor, Ednardo, não faça nada que possa se arrepender depois, meu querido.

Ednardo- Eu não vou me arrepender. (Atira contra a própria cabeça e cai da janela do décimo quinto andar junto com o contrato que se espalhou pela rua na noite chuvosa.)

(Soraya grita desesperada da janela. Vizinhos entram para acudi-la.)
    

                                                       
                                                              Fim.
 



 
 

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

“Pelo menos até a próxima noite.”, de Junior Texaco


Tema: prostituição
Monólogo .

Sabe, a única coisa que vou levar desse mundo é o tesão. O resto eu não sei o que vai ser mas o tesão é uma coisa que eu sei que vai comigo, não vai me deixar nunca. É uma coisa da alma.
Teve uma amiga travesti velha bem velha, que me disse assim: nunca despreze os conselhos de uma puta velha. Puta velha, ela dizia soltando uma baforada de cigarro, puta velha sabe de tudo.
Eu sempre gostei de sexo. E comecei cedo, logo aprendi do que os homens gostavam. Comecei com um surfista que morava no mesmo andar que eu. Eu era moleque tinha uns doze e sempre prestava atenção quando ele passava por mim encarando, a prancha embaixo do braço, a mão apalpando o saco. Quando um cara chega perto de você apalpando o saco, pronto, é sinal verde, tudo feito bem discretamente, é só prestar atenção e você logo saca. Você tem cara de quem curte essas coisas. Putaria entre machos, homem com homem, bater um punheta junto olhando o pau do cara morrendo de vontade de dar uma abocanhada. Pode até não assumir, mas que gosta gosta, ta na cara que gosta. Mesmo sem admitir pra si mesmo como era o caso do surfista que começou a me pegar. Eu aprendi logo cedo que ser usado pelos homens pode. Namorar não.
Não, eu nunca roubei. Sempre tratei bem os meus. Sempre gostei muito de homem, adoro trepar com homem, sou louco por homem. Nunca me senti atraído por mulher. Nem por viado, bichinha, saca? Me broxa mesmo. A feminilidade seja de que jeito for; me broxa total. Agora um homem bem tesudo me tira do serio, eu perco o juízo. Adoro quando um cara fica com tesão só de olhar pra mim. Eu aprendi a ler isso nos rostos dos homens. Sempre gostei de ser usado por eles. E eles por mim, claro.
Fui. Já fui bem usado. Fui muito usado. Fui tão usado que pra você ter uma ideia, quando eu me profissionalizei, vamos dizer assim, quando entrei no mercado, aos dezoito, não ri não que eu estou falando sério, eu já era puta velha.
Comecei com anuncio no jornal, quando entrava de férias na escola. Minha familia nunca soube. Eu atendia também varios amigos do meu pai, era amante de vários. Ganhei uma porrada de presentes, um monte. Nunca dei bola pra essas coisas. Eu faço é pelo prazer mesmo. Eu gosto é de sexo. De homem. Faço porque gosto. Porque é a única coisa que sei fazer na vida. É a única coisa que sei fazer pra viver. Vivo de sexo e assumo isso. Sou livre, não pertenço a ninguem.   
Quando a gente nasce bonito, as pessoas acham que é uma benção, ter uma bunda redonda bem gostosa, ter dentes perfeitos, um físico prefeito, um pau grande, pauzão mesmo de responsa, porque se você não tiver um pau grande você não é ninguem, sabia? Qualquer cara aqui que tiver pau grande sabe do que eu estou falando. Um pau bem grande abre muitas portas é ou não é, meu amigo? Ninguem quer saber se você tem sentimentos, se tem coração, se tem alma, se esta com fome, se está a fim de fuder, se não vai sentir nojo do velho. Eu tenho, tenho nojo de velho, não suporto gente pelancuda, todo velho safado não presta, tenho ódio.
Não venha me julgar também porque eu sempre digo a verdade. Foi o que aprendi, eu tive muitos exemplos. Se não tiver pau grande, você não é ninguem. É a lei da vida.
Cérebro? Ninguem quer saber se você tem cérebro. Você que é lindinho, tesudinho, com tudo em cima, sei lá quantas vezes por dia você ouve os elogios, vai ver nem presta atenção. Os caras não estão nem ai pra o que você pensa ou sente, não estão nem ligando se você se importa ou não de ser sugado por uma paixão infeliz insatisfeita, porque a mulher, a namorada, ou sei lá o que, ela não gosta de chupar o pau dele, porque tem nojo, porque acha que isso não se faz, ou tem nojo de abrir o cu e deixar ele meter a lingua bem gostoso ali, ora se ele te procura pra fazer essas coisas todas que ele deseja e não tem, o que você faz? Atende e muito bem, o freguês tem que sair feliz daqui. Problema delas se elas não fodem direito. São tristes, loucas, frustradas, antipáticas. Cada família tem suas estórias eu não estou aqui pra julgar ninguem. Eu quero é satisfazer. Deixo um monte de maridos felizes, lares em harmonia. Mundos em paz. Pelo menos até a próxima noite. Quando o desejo começar a doer de novo e eles voltarem, porque só um homem sabe do que outro homem gosta. É ou não é?

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

QUANDO AMANHECER de Marcus Di Bello


TEMA: PROSTITUIÇÃO

(Quarto. Cama desarrumada, mesa com alguns pertences e uma cadeira. ELA está sentada na cama. Entediada. ELE está na cadeira, fumando um cigarro. Bate as cinzas num cinzeiro. Silêncio)

ELA
Vou embora, cara.

ELE
Não vai. Eu ‘tô te pagando, porra.

ELA
Tu pagou uma foda. Vou voltar lá pra frente agora.

ELE
Não vai.
(Tempo)
Paguei o momento, não a foda. Quero ter esse momento pós-foda.

ELA
Tu já fumou cinco cigarros aí. Se quiser conversar eu até fico, mas se for pra ficar esse silêncio eu prefiro ir lá pra frente arranjar outro cliente.

ELE
Não sou teu cliente, foi a primeira vez que fiz contigo.

ELA
Tu entendeu.

ELE
Relaxa, baby. Não esquenta a moringa. Eu só ‘tava pensando aqui.
(Tempo)
Nunca conversa com os caras que trepa?

ELA
Não ganho p’ra isso.

ELE
Se pedir uma bebida eles trazem aqui?

ELA
Não, não fazem esse serviço.

ELE
No puteiro da outra esquina fazem.

ELA
(Silêncio. Ela levanta)
Posso ir embora agora?

ELE
Por que a pressa? É o dinheiro? Eu pago a mais, não tem problema.

ELA
Eu só não quero ficar conversando contigo.

ELE
Eu também não quero, mas é a única opção que você tem p’ro momento. Vou te contar uma coisa, gata. Eu odeio as pessoas. Tenho asco, quero que todos explodam. Mas eu não vivo sem trepar, então de vez em quando preciso socializar. Se eu conseguisse viver somente com a minha bebida, os meus cigarros e as minhas lutas de boxe, então eu não precisaria sair de casa.

ELA
Cara, a tua vida é problema teu.

ELE
Tem razão. Mas os meus problemas fazem com que você esqueça os teus. É assim que funciona, baby. É assim que o mundo gira. Quantas vezes eu não fiquei no bar ouvindo mulheres reclamarem do quão fodida era a vida delas, do quanto se sentiam patetas para a sociedade e como aquele papo depressivo me deixava bem. Gata, aquele papo me fazia muito bem, porque eu esquecia a minha vida fodida para ouvir a vida fodida de outra pessoa. E se eu agora falar do quão fodida é a minha vida você vai se sentir mais leve, vai se sentir renovada. Se eu falar que esmurrei meu pai porque ele era um bosta, se eu falar que morei na rua e que hoje ganho um dinheiro escrevendo algumas besteiras, que dá o suficiente para eu pagar meu uísque, meu teto, meus cigarros e a hora extra que estou te pagando, você com certeza vai se sentir muito melhor.

ELA
Tu escreve?

ELE
Romances.

ELA
E o que você sabe sobre amor?

(Silêncio)

ELE
Eu não sei. Mas quem lê meus contos também não.

ELA
Tu é muito do estranho.

ELE
Gostei de você. Você parece ter sensibilidade. Gosto de pessoas assim, mesmo as odiando. Sabe, eu não sei se tenho essa sensibilidade. Acho que odeio a vida também. Às vezes deito a cabeça no travesseiro e não sei se levei o meu dia da melhor maneira possível. Penso que poderia ter feito algo diferente. Mas a vida não me dá o tesão de fazer esse algo diferente. A gente nasce e espera pela morte. Essa espera cansa, baby.

ELA
Eu também odeio as pessoas.

ELE
Eu sei. Sinto isso em você.

ELA
Me dá um cigarro?
(Ele levanta e leva um cigarro a ela. Acende. Fuma)
Eu não queria estar aqui. Mas ou eu faço isso, ou roubo as pessoas. Eu não quero ser uma marginal, mesmo estando em uma profissão marginalizada. É muito foda trepar com um cara que tu não conhece, correndo todos os riscos possíveis. Tu não faz ideia, cara.
(Silêncio)
Quando eu era mais nova eu escrevia. Escrevia poesias. Eu amava os filmes do Tarantino e escrevia poesias. Eram as duas coisas que eu sabia fazer. Hoje eu não faço nada disso. Eu escolhi deixar isso tudo de lado p’ra entrar nessa vida, mas às vezes acho que não tive muito poder de escolha. Eu não consigo nem escolher o homem que vou trepar, imagina se vou escolher a sequencia da minha vida.
(Tempo)
Eu pareço ser fodida, cara? Porque eu tento não parecer, mas não dá. Só quem já provou os dois lados da moeda sabe como é. Já tive tudo na minha vida. Hoje eu não tenho porra nenhuma. Tu me entende? Hoje eu tenho um corpo que me rende uma grana, mas e quando eu não tiver mais esse corpo? Quando o dia raiar e eu perceber que o tempo passou, já vai ter acontecido. O que vai ser de mim? Me responde cara, o que eu vou fazer da minha vida quando amanhecer?

(Silêncio)

ELE
Gata, os filmes do Tarantino são uma bosta.
(Tempo)
Mas o que eu acho é problema meu.

(Continuam fumando. Luz cai em resistência)

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

A NOITE DOS EXCLUIDOS de Regina Célia Vieira



Tema: Cigarro.


Gilberto- Tem certeza que não vai dar problema?
Armando- Eu venho uma vez por mês. Tá limpo.
Gilberto- Nossa! Esse lugar é deserto.
Armando- Tem que ser, pra não dar na vista. Só podem entrar trinta por noite. E com hora marcada, pra não chegar muita gente de uma vez.  Entram de dois a tres por vez.
Gilberto- Bem bolado.
Armando- (Bate na porta.)
Voz- Senha.
Armando- O pulmão é meu.
(A porta se abre. Aparece o segurança acendendo um cigarro no outro.)
Armando- E aí, Jair? Como vai?
Jair- Tudo bem, Armando?
Armando- Tudo bem! Esse é meu amigo, Gilberto! É novo aqui.
Jair- Seja bem vindo! Fiquem a vontade. Podem acender seus cigarros.
(Acendem os cigarros e entram.)
Gilberto- Tem que entrar fumando?
Armando- É uma das regras! Aqui a gente não para de fumar nunca.
Giilberto- Por isso que fica esse nevoeiro?
Armando- Claro! É pra isso que a gente vem!  Vamos tomar uma cerva?
Gilberto- Só se for agora! (Incomodado com a fumaça.)  Nossa Senhora!
Armando- O que foi ?
Gilberto- Muita fumaça! A gente nem consegue enxergar as pessoas.
Armando- Mas não importa as pessoas! O que importa é que a gente, aqui, pode fumar a vontade.
Gilberto- Mas o que adianta fumar,  se ninguem nos vê?
Armando- Quando a gente chega perto, vê. Você não tá me vendo?
Gilberto- É!
Armando- Isso é bom! A gente se aproxima mais das pessoas que pensam como nós.
Gilberto- É verdade!
Armando- Precisamos dessa aproximação. Afinal, viramos uma minoria discriminada.  Não se pode pegar um cigarro pra acender, mesmo na rua, que já olham torto pra gente.
Gilberto- É, mesmo! Depois que inventaram essa lei antifumo, ficou muito difícil curtir um cigarrinho descontraidamente.
Armando- É uma droga! Nós somos vitimas de preconceito. Estamos sendo excluidos até pela nossa família. Na minha casa, se acendo um cigarro, minha mãe me dá um sermão. É um sermão a cada dez minutos, já que eu fumo um atras do outro. Não aguento mais. Somos as mulheres, os indios, os negros, os nordestinos, os pobres, os gays e os ruivos do seculo 21. Seculo de hipocrisia.
Gilberto- Você tem razão. Abaixo o preconceito. Quer saber? Vamos fumar dois de uma vez, só de raiva.
Armando- Vamos!
(Acendem um cigarro em cada canto da boca.)
Gilberto- Cadê o garçom pra gente pedir a cerveja? Não consigo ver!
Armando- Vem! Se apoia em mim. Eu te guio até o bar.
(Chegam no bar)
Armando- Duas cervejas, amigo!
(O garçom tem um cigarro pendurado na boca enquanto serve as bebidas.)
Gilberto- O garçom também fuma?
Armando- Todos os garçons, aqui, fumam. É pra parar com essa história de que garçom é fumante passivo e que nós é que os deixamos doentes.  Aqui, só fumante pode trabalhar, desde o gerente até a faxineira. E eles tem que trabalhar fumando.
Gilberto- Mas assim o salário deles vai todo no cigarro.
Armando- Nada disso! Uma das vantagens de trabalhar aqui, é que os cigarros que eles  fumam, ficam por conta do patrão.
Gilberto- Ah, bom! E o dono? Fuma direto, também?
Armando- Não! Ele não fuma.
Gilberto- Como é?
Armando- É sério! Fica no escritório, porque detesta  fumaça de cigarro. Ele só lucra com o nosso vicio, mesmo.
Gilberto- Sei! Me diz uma coisa! O cliente que fica até amanhecer, acaba fumando mais de três maços de cigarros. E se acabar? Ele tem que ir embora?
Armando-  Essa é uma das jogadas de mestre do dono.  Acabou o cigarro, compra mais. Como todo bar, aqui também vende cigarro. Ele acaba lucrando mais, vendendo cigarro do que bebida.
Gilberto- Você disse, uma das jogadas de mestre. Quais são as outras?
Armando- O cafezinho. Entre uma birita e outra, um cafezinho vai muito bem. É o terceiro produto mais vendido, depois do cigarro e da cerveja.
Gilberto- Entendi!-  (Olha para uma mesa próxima e parece reconhecer alguém.) Eu não sei se estou enxergando direito, mas nessa mesa pertinho da gente, tem umas pessoas parecidas com a Monica Waldvogel e o Antônio Fagundes.
Armando- Não são parecidos, não! São eles mesmos. Estão sempre aqui. Defensores radicais do tabaco. Levantam a nossa bandeira como ninguém?
Gilberto- Eu sou fã do Fagundes! Será que ele me dá um autógrafo?
Armando- Ele não dá autógrafo nem em dia claro, quanto mais nessa serração.
Gilberto- Deixa quieto.
(Uma moça bem jovem esbarra em Gilberto.)
Moça- Desculpe! Mas você pode acender meu cigarro? (Ela já está com o cigarro aceso.)
Gilberto- Mas o seu cigarro já está aceso...(Percebendo a cantada.) Ah...! É melhor você ir pra casa mocinha. Hora de criança estar dormindo.)
Moça- (Ofendidíssima) Tu não tá com  essa bola toda, não, tio! (Se afasta.)
Armando- A ninfeta deu em cima de você na cara dura. Tá podendo,hein!
Gilberto- Que é isso? É uma menina! Parece até menor de idade. Aqui entra menor?
Armando- Parece que sim! Tenho até medo de paquerar. É bom pedir a indentidade. Se bem que, dizem as más línguas, que o próprio dono fornece indentidade falsa para os menores.
Gilberto- Mas isso é contra a lei.
Armando- Fumar em ambiente fechado também é!  E nós estamos aqui!
Gilberto- Cigarro, bebida e indentidade falsa pra menor! Isso é um pouco demais.
Armando- Eu também acho. Mas quer saber? É só a gente não se meter com essas meninas. O problema é do dono.  Ainda bem que eu gosto de mulheres mais velhas.
Gilberto- E eu não quero nada com garotinhas. Deus me livre!
Armando- E tem mais! Periga até serem garotas de programa. Já ouvi falar que o dono, muito discretamente, promove isso, aqui, também.  Pra gente que procura.
Gilberto- O que? Prostituição? Como é que você me traz pra um lugar onde rola prostituição, Armando?
Armando- São boatos. Nunca vi nada. Mas sabe como é...onde há fumaça...
Gilberto- Tem um clima muito estranho nesse lugar. Vou observar.
Armando- Observar como? Você não enxerga bem. E com essa fumaça, é praticamente um cego.
Gilberto- Vou dar um rolé por aí.
Armando- Cuidado pra ver o que não deve ser visto. Pode se dar mal. A gente não sabe de tudo o que rola aqui.
Gilberto- Só quero conhecer o lugar. Até logo.
Armando- Se se  perder, grita.
(Gilberto vai até o banheiro e esbarra com uma jovem saindo. Quando entra, um homem está vestindo as calças. O homem se veste e sai, enquanto Gilberto usa o bidê.)
Gilberto- (Sai do banheiro e vê, com muita dificuldade, um homem saindo de tras de uma  porta de ferro.)-  O que tem aí dentro?
Homem- Não sei, não, senhor! (E sai.)
Gilberto- (Falando sozinho) - Como não sabe? -(Abre a porta e encontra várias pessoas jogando em máquinas de caça niqueis. Um segurança se aproxima.)
Segurança- Quantas fichas, Senhor?
Gilberto- Eu me enganei. Pensei que fosse o banheiro.
Segurança- O banheiro é logo ali.
Gilberto- Obrigado.
(Gilberto acaba entrando novamente no banheiro, pois o segurança não tira os olhos  dele , e pega dois rapazes cheirando cocaina. )
Rapaz 1- Servido?
Gilberto- Não, obrigado! Mas se eu precisar, compro com quem?
Rapaz 2- Com o Simão, mesmo.
Gilberto- E quem é o Simão?
Rapaz 1- Ele fica em vários lugares. É o gerente. Se você precisar ele pega lá no escritório com o dono.
Gilberto- Ah! Legal! Se der vontade mais tarde, eu pego com ele. Valeu!  - (Pra  si) Ainda bem que eu bebi cerveja! (Acaba de urinar e se despede dos rapazes.)- Até logo!
Rapazes- Até!
Gilberto- (vai para um canto afastado e faz um ligação)- Chefe, já temos o suficiente pra prender o sujeito...Não! Muitos que estão aqui só veem pra fumar, mesmo. Nem sabem o que se esconde por tras dessa fumaceira toda... Não, chefe! Não estou querendo proteger, meu amigo, não. Eu não confundo as coisas. Tem muita gente inocente aqui. Gente acima de qualquer suspeita. Assim que vocês entrarem, faremos a varredura... É!  A coisa aqui é pesada. Com certeza está envolvido com lavagem de dinheiro, também.  Já que se trata de um empresário multimilionário...Está bem! Podem invadir. (Gilberto vai pro centro do bar, a polícia invade o local.)
Policial- Polícia! Permaneçam em seu lugares!
Gilberto- Lá em cima! Vamos!
(A polícia entra no escritório e dá voz de prisão ao empresário.)
Gilberto- Senhor  Rômulo Brás Campos Elísios, o senhor está preso por... vários delitos. A lista é tão grande e a minha garganta tá doendo com tanta fumaça que eu engoli... (Sem paciência)-  O senhor tem o direito de permanecer calado e contatar um advogado.  Levem  o homem e o gerente também!
(Depois de todos os suspeitos terem sido presos, Armando se aproxima de Gilberto.)
Armando- Quer dizer que você é poilicial? Só se aproximou de mim porque  sabia que eu frequentava este lugar?
Gilberto- Desculpe por ter te enganado, mas foi por uma boa causa. E indiretamente você nos ajudou a prender esse elemento perigosissimo para a nossa sociedade. Obrigado. Mas infelizmente não podemos mais ser amigos.
Armando- Entendo! Mas pelo menos temos algo em comum. Ambos somos fumantes fieis.
Gilberto- Eu detesto cigarro. Não sabe o sacrifício que foi ficar esse tempo dentro deste inferno.
Armando- Mas desde que nos conhecemos você fuma que nem um desesperado! Que nem eu!
Gilberto- Não são cigarros de verdade. São de alface.
Armando- De alface?
Gilberto- Se a Cláudia Raia pode...
Armando- Ah...!
Gilberto- Mais rápido, pessoal!  Vamos liberar as pessoas e lacrar o local.
Armando- (Para si.) E agora? Onde é que eu vou fumar?

                                        Fim.
 
   



terça-feira, 17 de julho de 2012

FREE E MARLBORO de Kadu Veríssimo


Personagens

Lucia
Pedro
Carol
Paulo
Garçom 1
Garçom 2

Um restaurante 

(Lucia esta sentada com Pedro em uma mesa, Carol e Paulo em outra ao lado , ambos os casais no mesmo restaurante,mas eles não se conhecem...ainda...)

Lucia
Você já escolheu o que vai pedir amor?

Pedro
Não sei, decide você

Lucia
Como assim decide você? Será possível que até a comida eu tenho que decidir? além do que, você só come essas merdas verdes
 ----
Carol
Paulo , eu falei pra você não falar daquele jeito, ela apesar de tudo é a minha mãe...

Paulo
Eu sei, por isso que não disse mais nada...mas nunca mais eu volto naquela casa...
 ----
Pedro
Não começa, se for começar eu levanto e vou embora...

Lucia
Se você levantar dessa mesa trate de ir direto pra casa e fazer a sua mala...
 ----
Carol
É assim que você quer ficar comigo ? se você me ama, vai ter que aguentar a minha mãe...
 ----
Pedro
É impressionante como você consegue estragar qualquer momento nosso junto

Lucia
Eu?
----
Paulo
Eu amo você, não a sua mãe...

Garçom1 e Garçom 2
Já fizeram o pedido?

Lucia e Carol
Ainda não...estou escolhendo...

(nesse momento os casais se olham)

Lucia
Você viu?

Pedro
O que?

Carol
A gente falou a mesma coisa , ao memso tempo, que engraçado...que coincidência

Paulo
Coincidência não existe

Carol
 Você é um chato...

Paulo
Vou fumar...

Carol
Vai...foge como sempre de qualquer conversa...

(Paulo sai)

Lucia
Cadê meu cigarro?

Pedro
Já falei pra parar com essa merda

Lucia
Não enche meu saco, você fica com essa história de ser vegetariano e eu não falo nada...só de raiva hoje vou pedir um bife mal passado...(ri) achei...vou fumar... escolhe algo ae...pra mim com muito sangue por favor...(sai gargalhando)

(Lucia sai)

Pedro
Daí-me paciência...(pega o cardápio)

Garçom 1
O Sr já se decidiu? 

Garçom 2
E então senhora?

Carol e Pedro
Quero essa salada de rúcula com tomate seco...

(se olham)

Carol
Que engraçado...nós falamos juntos...

Pedro
De novo né...coincidência...

Carol
Você acredita em coincidência?

Pedro
Sim muito...

Garçom 1
E o da senhora?

Pedro
Quando ela chegar ela escolhe

Garçom 2
E o do Sr?

Carol
A mesma coisa que ele...

Garçom 2
Salada?

Carol
Não quando ele chegar ele escolhe...

Garçom 1 e 2
Fiquem a vontade (sai)

(Carol e Pedro ficam se olhando)

Carol
Eu adoro salada...

Pedro
Eu também, sou vegetariano

Carol
Nossa, eu também

Carol e Pedro
Que coincidência !(risadas)

(Fora do restaurante)

Lucia
Um absurdo, nesse frio eu ter que vir fumar aqui fora...você não acha?

Paulo
Oi?

Lucia
Nesse frio ter que sair do restaurante pra fumar, com o preço que cobram eles bem que poderiam construir uma área de fumantes você não acha?

Paulo
Poderiam mesmo...

Lucia
Você fuma free?

Paulo
Sim, porque?

Lucia
Sempre achei que free era cigarro de mulher...

Paulo
E marlboro de homem né...

Lucia
Ah eu prefiro coisas fortes...pegava escondido do meu pai, ai viciei...nunca experimentei outro

Paulo
Eu também gosto, mas é que minha namorada implica com o cigarro, se fumasse igual o seu, ela me encheria o saco...porque diz que esse é mais forte e coisa e tal...

Lucia
Meu noivo também implica, mas eu quero que se dane...minha mãe quando era viva fumava três desses por dia, três maços...

Paulo
Nossa...sua mãe morreu de que?

Lucia
Atropelada...achou que era por causa do cigarro né?

Paulo
Pô, três maços....

Lucia
Mas foi...ela foi atravessar pra comprar cigarro na banca , quando voltou, foi acender o cigarro não olhou e zap , o carro pegou ela...morreu com o maço na mão e o cigarro aceso na outra...

Paulo
Nossa, ficou falando, me deu vontade, me arruma um cigarro seu...

Lucia
Claro, da um do seu também, deixa eu sentir como é...

(trocam de cigarros, começam a fumar o outro)

(No restaurante)

Carol
Sério? Que delicia... e tudo isso você faz com soja?

Pedro
Sim, é só temperar que fica uma delicia, o segredo é o tempero...

Carol
Aqui perto tem um vegetariano você sabia?

Pedro
Sabia, a comida de lá é uma delícia...

(pausa...tempo....Carol e Pedro se  olham )

Pedro
Carolina , é esse seu nome né?

Carol
Pode me chamar de Carol

Pedro
Carol...você....é...eu...será que a gente...

Carol
Pedro....seu nome é Pedro né?

Pedro
É

Carol
Eu aceito....

Pedro
Aceita mesmo?

Carol
Sim, vamos nesse vegetariano agora, vem...vamos sair por essa porta aqui, vem...

Pedro
Meu deus que loucura...

Carol
Vem...eu gostei de você...

Pedro
E eu de você...

Carol
Adoro essas coincidências...

Pedro
Eu também...

( dão as mãos e saem pelos fundos)

(entram Lucia e Paulo)

Lucia
Ué, cadê o Pedro?

Paulo
Carol também sumiu...

Lucia
Devem ter ido ao banheiro...

Paulo
Mas e a bolsa dela? não esta aqui...

Lucia
Cadê o casaco dele?

(chegam os garçons)

Garçom 1 e 2
Aqui esta a salada de rúcula com tomate seco

Lucia e Paulo
O que?

Lucia
Eu não pedi isso

Paulo
Nem eu...

Lucia
Cancela isso, eu vou embora daqui...Paulo me acompanha num rodízio?

Paulo
De carne ou de pizza?

Lucia
De carne, claro!

Paulo
É pra já...

Lucia
Gostei do free viu...

Paulo
Toma é seu...

Lucia
Pega, fica com o meu marlboro...

(dão as mãos e saem)

(os garçons permanecem em choque com a bandeja na mão)

Fim